12 perguntas para Vitor Ramil

by - 10/01/2018

Foto: Marcelo Soares/Divulgação


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SATOLEP, RS - Vitor Ramil está na estrada desde muito cedo. Aos 18 anos lançou seu primeiro disco e assim botou o pé no mundo. Habitou outras terras antes de tomar a decisão de voltar para casa, em 92. Aliás, diz ele, de onde nunca saiu. “Satolep é onde moro, esteja onde estiver, mas Pelotas é o lugar concreto mais próximo de lá”.

Casado, pai de dois filhos, Vitor pode ser considerado hoje como a maior expressão artística em nível nacional que reside em Pelotas. Seu último disco, Tambong, foi considerado pela crítica especializada seu melhor registro musical, o amadurecimento como compositor, disseram alguns. Mas, para aqueles que já conheciam seu trabalho, nenhuma surpresa. Fato é: Vitor sempre caminhou com passos fortes, sabedor de suas raízes com olhar para imensidão.

A grande maioria dos artistas possui uma sensibilidade além da média, diríamos até uma sensibilidade feminina. Chico Buarque, por exemplo, compunha na primeira pessoa feminina. Quanto você expressa este seu lado nas composições?

Vitor Ramil - Não consigo pensar em um lado feminino, nem acho que uma sensibilidade além da média seja mais de mulheres que de homens. Quem cria faz uma leitura particular do mundo e a expressa atendendo a uma necessidade que desconhece. O compositor popular é um observador, fazedor de conexões, coletor de coisas aparentemente inaproveitáveis. Talvez isso se deva mesmo a uma sensibilidade acima da média, não sei. Só sei que me ocupo disso desde pequeno.

É verdade que você já está gravando algumas canções de seu novo disco e escrevendo um novo livro? O que está vindo por aí?

Vitor Ramil - Sim. Já tenho pronto um repertório básico e um conceito para o próximo disco, mas ainda vou compor mais até a hora de entrar no estúdio, o que é normal. E também estou avançando em meu livro novo, cujo título provisório é Satolep, tema que não é nenhuma novidade no meu trabalho... No ano passado tive que dar uma segurada na música para poder parar e escrever. É difícil conciliar. Mas sigo nas duas tarefas, como sugere o Saramago: sem perder tempo, mas sem pressa.

No seu último disco, Tambong, há um poema musicado de Allen Ginsberg, um poeta da geração beat, e outro de Paulo Leminski, um dos autores "malditos" do Brasil. Você tem preferência pelos escritores de vanguarda? Como funciona a assimilação de influências literárias em sua música, considerando que você também é escritor? Existe um choque de influências ou as coisas funcionam de modo um pouco mais organizado?

Vitor Ramil - Minha preferência é por aqueles autores para quem fundo e forma são uma só coisa, não por aqueles que meramente contam histórias ou revelam sentimentos, nem pelo seu oposto, aqueles cujo apuro formal é o resultado estéril de um atletismo intelectual. Mas me atraem sempre os autores que forçam os limites do estabelecido pela força da sua criatividade. Meu texto começou fortemente influenciado pelo meu trabalho com letras de música, em que a concisão é palavra chave. Hoje minha música vem ganhando a unidade que já existe no meu texto.

Ainda em Tambong, você trabalhou com artistas de vários lugares do Brasil, como Egberto Gismonti, Lenine e Chico César. Este último até fez algumas apresentações com você. Como foi essa experiência?

Vitor Ramil - O Egberto é o artista número um da minha formação. Quando escutei Água e Vinho pela primeira vez fiquei siderado, sonhando em compor com aquela qualidade. Lenine e Chico são caras da minha geração, amigos e grandes compositores. Lenine e eu temos uma trajetória parecida, pois começamos na mesma época, embora ele seja um pouco mais velho que eu, e levamos nossas carreiras de forma lenta, sem permitir que a ansiedade do sucesso nos inoculasse seu vírus. Claro, hoje ele é muito conhecido e eu não, mas nossa relação com o que produzimos permanece a mesma. O Chico se tornou um amigo muito presente. Temos tocado juntos por aí. Considero-o um dos melhores compositores brasileiros. Como não dizer que tê-los no Tambong foi muito, muito bom?

Como você vê a cena musical gaúcha? É benéfico esse "bairrismo" existente em nosso estado, com um grande número de bandas e artistas que só fazem sucesso por aqui?

Vitor Ramil - Acho que o sucesso local das bandas não é uma questão de bairrismo, mas de mercado. Existe um mercado grande de festas para as bandas, por isso elas se proliferam. Se fosse um mercado para compositores de valsas, eles surgiriam às centenas. Para esses grupos, por um lado é bom porque é trabalho, mas por outro é ruim, pois favorece a acomodação. Com a perspectiva de ganhar grana por aqui, o sucesso em outros lugares, ou nacional, e o crescimento artístico que isso propicia ficam de lado.

Todo músico quer ser ouvido. Como é para você o conflito entre "fazer música honesta" e "fazer música para o mercado"? Existe essa preocupação no seu trabalho?

Vitor Ramil - Bem, acho que ambas podem ser honestas. Há quem, honestamente, queira fazer música só para ganhar grana. Por outro lado, também existe o mercado de quem não gosta do mercado. Hoje sou independente. Para mim isso significa total liberdade de escolher meu repertório e gravar as coisas que gosto. Em gravadoras isso já não é fácil, é quase impossível. Só posso me dar ao luxo de gravar o que quero porque sei que existe um mercado, por insignificante que seja, para isso. A questão é o artista se satisfazer em criar para os "happy few". Eu me satisfaço.

A inquietude vanguardista que há dentro de você é a alma de sua criação? A maturidade faz com que a cada dia você se conheça melhor como criador?

Vitor Ramil - Não sei qual é a alma da minha criação. Sei que o amadurecimento é um dos momentos mais deliciosos dessa história toda. É um período em se ganha uma calma de movimentos e uma visão privilegiada da própria ação, estando ainda intacta a intuição que leva ao ato criativo.

Qual sua opinião sobre a popularidade dos programas de troca de arquivos na internet, que tem a maior parte do público procurando por música? De que forma esse fenômeno atinge o artista, além do lado financeiro? Você vê alguma solução para o problema da pirataria de discos no Brasil?

Vitor Ramil - A pirataria na China hoje é de 95%. Isso mudou completamente a carreira dos artistas de lá e o trabalho das gravadoras, que passaram a ser uma espécie de agenciadoras de talentos. Caminhamos para lá. Como sou um artista de vendagens modestas e para um público diferenciado, não tenho sentido os efeitos da pirataria. Mas os artistas populares estão sentindo demais. Acho que uma estratégia boa, no meu caso, pode ser agregar valor ao produto, como um bom trabalho gráfico e qualidade de som excelente, e também um valor afetivo, considerando que certo tipo de público não se contenta com algo que não seja o original. Acho que a internet é sensacional para a difusão de música. Certamente ela vai definir os futuros suportes para a música gravada. Mas isso ainda não se pode prever com muita clareza.

Desde os tempos das vacas magras, você já era simpatizante do Partido dos Trabalhadores. Como você vê o momento político atual do Brasil?

Vitor Ramil - É um momento pelo qual sonhamos durante muito tempo. Me refiro ao fato do Lula chegar à presidência. Ao mesmo tempo, no mundo de hoje já não há muito espaço para as utopias. O Brasil pode oferecer ao mundo uma saída, mas o mundo pode não estar interessado nela.

Você já morou em algumas capitais, como Rio e Porto Alegre. Quais os motivos que levaram você a decidir morar aqui em sua cidade natal?

Vitor Ramil - Quando me mudei, além das fantasias com Satolep e essa casa, fatores familiares foram determinantes. Tínhamos filhos pequenos e meu ritmo no Rio, com muitas viagens, estava prejudicando o da minha mulher. Mas depois de estar aqui, percebi que haviam motivações profundas, que eu não era capaz de perceber. Na verdade, só percebi no momento em que pensei em ir para São Paulo e entrei em crise. Voltar para essa casa me fez criar como nunca. Comecei a ser artista depois desse retorno. Sempre me senti sufocado nos lugares em que vivi longe daqui. Essa casa é meu ar. É cansativo morar longe de tudo, mas tem suas compensações. Pra minha família também foi ótimo. Satolep é onde moro, esteja onde estiver; mas Pelotas é o lugar concreto mais próximo de lá.

Certa vez você declarou que "o Rio Grande do Sul não estava à margem do centro do Brasil, mas sim no centro de uma outra história". Comente um pouco sobre esta sua visão geocultural.

Vitor Ramil - Todas as regiões fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo se sentem à margem, porque estamos condicionados a aceitar que só o que acontece no centro é que é relevante para todo o país. Especialmente para nós, do Rio Grande, sempre foi difícil aceitar isso. Por outro lado, continua sendo difícil percebermos que nossa história de fronteira no extremo sul, de espaço de transição entre o Prata e o país tropical abençoado por Deus é única. Estamos em um centro de três culturas importantes e temos uma história muito particular. Como não fazer disso o motor da nossa criação em vez de ficarmos nos lamentando que o centro não dá espaço para os rio-grandenses?

Para terminar, uma clássica pergunta, mas que todo mundo que gosta de música, gosta de saber: o que você anda escutando ultimamente?

Vitor Ramil - O som do formão raspando numa janela quase centenária que estou recuperando às pressas, nos momentos em que não estou escrevendo. Estou preparando em ensaio sobre a estética do frio para palestras que vou dar sobre o assunto em Genebra e Paris, onde meu livro, Pequod, será lançado este ano.

Escrita a quatro mãos com o jornalista Guilherme Curi e publicada originalmente na revista Projeto Casulo, em maio/2003

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